malu pessoa loeb

20 a 31 de janeiro de 2022
Malu Pessoa Loeb (São Paulo, 1970) é artista visual e psicanalista. Especializada em artes e psicanálise lacaniana, com diploma em psicologia na PUC em 1994, pertence ao departamento do SEDES. De 97 a 99 reside em Londres onde se especializa em artes.
Sua produção consiste numa apropriação diária de objetos diversos, imagens e fotos publicada dos jornais e mídias em geral. As reproduz em pinturas, desenhos em pirógrafos, gravuras, colagens e esculturas ocupando paredes e mesas e chão com uma montagem na qual pesquisa e obra se misturam e se condensam como uma só instalação. A pesquisa gira em torno da lógica feminina, lógica para além da lógica fálica, não como uma questão de gênero, mas uma posição de sujeito que inclua tudo que é invisível, segregado, sem sentido.
January 20 – 31, 2022
Malu Pessoa Loeb (São Paulo, 1970) is a visual artist and psychoanalyst. Specialized in arts and Lacanian psychoanalysis, with a degree in psychology from PUC in 1994, she belongs to the department of SEDES. From 97 to 99 she resides in London where she specializes in the arts.

Her production consists of a daily appropriation of various objects, images and photos published in newspapers and media in general. She reproduces them in paintings, drawings in pyrographs, engravings, collages and sculptures, occupying walls and tables and floor with an assembly in which research and work mix and condense as a single installation. The research revolves around feminine logic, logic beyond phallic logic, not as a matter of gender, but a subject position that includes everything that is invisible, segregated, meaningless.
“Há coisas que nunca saberei, é óbvio. O que não quer dizer que preciso renunciar, renunciar a exigência de saber mais”. (Escute as Feras, Nastassja Martin) 
Ter lido este livro durante a residência do Mirante Xique-Xique foi a contingência que vira júbilo. Encontrei palavras para bordear um corpo que fora deslocado de uma opressiva sobrevivência da pandemia para um vasto terreno de camadas de tempo, de soerguimento. 
Para já antecipo o fim, entendi que antes de mais nada fazer arte requer presença. Cheguei achando que de onde vinha já dava conta do para onde ir. Fui imbuída da pesquisa Take Away, a qual tenho como procedimento o uso de materiais diversos que se deixam invadir ou resistem a qualquer mistura: jornal, impressos em sulfite, barro, poliéster, carbono, papel pergaminho, envelopes, sal… No gesto vou fazendo uma sobreposição de imagem, matérias, despedaçamento e falsos preenchimentos.  
Cheguei em Igatu cheia de mim e me assegurei da minha estrangeridade replicando na parede do ateliê/quarto a pesquisa e associação de materiais do que eu imaginava do que iria encontrar.  
Encontrei uma acolhida que me deixou só e acompanhada. Melhor dos mundos. Encontrei um gesto que coincide com a teoria: residência que propõem uma lógica avessa a produção neoliberal nas artes. Não se quer produto, produção, mostrar serviço e sim vivência. Palavrinha essa esfarrapada, gastada, cafona, mas não encontrei outra melhor. Eu aprendi a estar aí sem ter e querer nada. Claro que sentir angústia foi ingrediente indispensável. Sigo lá, nas caminhadas, nas águas que jorram por todos os lados, naquele silêncio das águas barulhentas de inúmeras cachoeiras, no espanto de tantas narrativas de horror e glória. O Paraguaçu era navegável de Cachoeira até Andaraí. Agora assoreado pelo garimpo de aluvião “o vapor de cachoeira não navega mais no mar, arriba o pano toca o búzio, nós queremos é navegar, ai, ai ,ai, nós queremos navegar”.  
Sigo lá sentindo o cheiro de pedra e cascalho escaldante, de calango curioso e de Xique -Xique que o chumaço de pelo peludo sempre aponta para oeste. Este saber oral que só se aprende quando se cala. Cheiro dos banquetes promovidos por Leo e Denis e a construção das receitas compartilhadas entre residentes. Talvez este seja o siguinificante que estrutura e pulsa no que o mirante mira: compartilhar. Volto vazia de mim e assim posso seguir tentando coçar onde coça. 
“O pastor Miguel me contou que alguns anos esteve com os índios do Chaco paraguaio. Ele formava parte de uma missão evangelizadora. Os missionários visitaram um cacique que tinha fama de muito sábio. O cacique gordo, quieto e calado, escutou sem pestanejar a propaganda religiosa que leram para ele na língua dos índios. Quando a leitura terminou, os missionários ficaram esperando. O cacique levou um tempo e depois opinou: 
– Você coça. E coça bastante e coça muito bem. 
E sentenciou: 
– Mas onde você coça, não coça. 
(A função da arte/2; Eduardo Galeano)