TALHA, por Flavia Mielnik
“A talha afina no pé e o pote de água é todo gordinho. A talha com o pé de madeira tem torneira e o pote de água pega com a concha ou com um copo. O pote de água ainda encontra, já a talha não encontra, quem tem, tem, quem não tem, não tem mais.”
Dona Zelitinha e Ane, descreviam o que fazia da talha ser talha e do pote de água ser pote de água e riam de mim, por não reconhecer. Foi assim que começou nosso papo na cozinha.
Ane, que enxerga as formas como vultos, lembrava com atenção, a talha de memória.
Dona Zelitinha me mostrava o objeto instalado, mas só de decoração, por que de tão antigo a torneirinha já estava quebrada.
Aurea, filha de Dona Zelitinha conta que a talha da cozinha de sua mãe tem mais de 100 anos.
Ane desenhava a talha no ar.
Ofereci lápis e papel.
A mão e o olho que não via, conversavam numa dança conflituosa mas corajosa, riscando de memória a forma da talha.
Amarildo, que faz livros, aguardava pelo desenho que eu havia prometido para ilustrar a capa do próximo lançamento “Os grandes acontecimentos de Igatu 2022” e sugeriu uma imagem que representasse a Galeria Arte e Memória.
Fui lá visitar a Galeria, um espaço-museu que guardava em vitrines, alguns antigos objetos do garimpo.
O gesto de Ane, desenhando a talha de memória me pareceu um grande acontecimento de Igatu.
Juliana comenta que o desenho da talha liga a memória de Ane a memória da arte, da galeria.
Amarildo às vezes duvida e se questiona se é isso mesmo…
Veremos por Ane,
para não esquecer
da talha riscada sobre as pedras rosadas de Igatu.